FONTE: O GLOBO
Uma nova lei que obriga todas as escolas do
país a exibir filmes nacionais para seus alunos pode tropeçar na velha falta de
infraestrutura das instituições de ensino brasileiras. Desde o último dia 27 de
junho, todas as 190 mil unidades públicas e privadas devem exibir pelo menos
duas horas mensais de conteúdo audiovisual nacional. Entretanto, uma em cada
cinco escolas do país sequer tem TVs (nas públicas, são 26% sem telinhas). O
prospecto não é melhor para retroprojetores, presentes em apenas 33,2% de todos
os colégios.
Os números fazem parte de um levantamento do portal QEdu, que, a pedido da
Agência Brasil, compilou dados extraídos do Censo Escolar 2013 para traçar a
realidade da infraestrutura audiovisual da educação básica. Ontem, O GLOBO
publicou os resultados de um relatório anual do Comitê Gestor da Internet que
apontam para uma penetração de computadores em até 99% das escolas, mas, em
grande parte dos casos, longe do alcance dos estudantes.
29% DAS PÚBLICAS SEM DVD
Ainda que bem-intencionada, a norma sobre os filmes
nacionais é de difícil aplicação. Além de faltarem televisores em 43 mil
escolas e retroprojetores em 125 mil, as antenas parabólicas são regalia de
apenas 26% dos colégios.
A dificuldade é ainda mais percebida quando se olha
para as escolas públicas. A falta de TVs em 26% delas e de reprodutores de DVD
em 29% também torna impossível a exibição universal dos conteúdos audiovisuais
a curto prazo. Na rede privada, a penetração desses equipamentos atinge 90% e
88%, respectivamente.
— Infelizmente, a lei ainda vai permanecer como
desafio e não será implementada imediatamente. Somos um país gigante, com muita
diversidade. Temos escolas que não dispõem de recursos mínimos como TV e vídeo
— afirma o vice-presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de
Educação (Undime), Alessio Costa Lima.
Também há disparidade regional quando se comparam
os números por estado. No Acre, por exemplo, só 41% das escolas têm
televisores, e 37%, DVDs. Os números são semelhantes no Amazonas, onde 37% das
escolas contam com a presença da televisão, e 33%, de DVDs. Na outra ponta se
encontra o Distrito Federal, onde a televisão é quase onipresente nos colégios
(93,7%).
O Rio de Janeiro pode ser considerado outro estado
“privilegiado”. Por aqui, 89% das escolas têm televisões, e 84%, aparelhos de
DVD. Refletindo o maior poder aquisitivo dos fluminenses em comparação com a
média nacional, o abismo entre o público e privado no Rio não é significativo,
segundo os dados do Qedu. Quase todas as escolas da rede estadual (97,3%), por
exemplo, têm televisores, índice semelhante ao das redes municipais, de 92,2%.
Um dado que chamou atenção foi o fato de 84% das
escolas particulares do Estado do Rio contarem com televisores, número
consideravelmente menor que o da rede pública. Apenas 39,7% das unidades
privadas têm retroprojetores para filmes, em forte contraste com os 74,8% da
rede estadual.
FILME ‘TAMPÃO’ DE FALTAS
Vencido o desafio de fornecer infraestrutura para
exibir filmes e se adequar à lei, a pergunta que fica é: o que passar para os
alunos? A norma não especifica quais obras seriam apropriadas, cabendo aos
próprios colégios decidir o que reproduzir para os estudantes.
Doutora em Cinema e Educação pela USP e professora
de Práticas de Mídia e Educação, Cláudia Mogadouro crê que a nova lei pode
servir para “tapar buracos” no quadro de horários dos professores se não for
bem aplicada:
— Faltou professor, passa um filme. Isso já
acontece em muitas escolas e acaba desmerecendo o cinema, que passa a ser uma
muleta — diz. — Se você não alterar a cultura escolar, é isso que pode acabar
acontecendo, apenas como uma saída para cumprir a lei. É preciso ter cuidado ao
criar obrigatoriedades.
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